quarta-feira, 23 de julho de 2014

Pois a vida é tudo

Lugar distímico esse que se alarga rápido, calmo, forte e tenso.

Expande-se pela embaçada brasa que me acolhe como ventre que nutre e fere, mas não se deixa par(t)ir.

Queria-me abarcar nessa chuva morna, esse desolado choro sobre o qual navegam mágoas, mas também saudades.

Queria me embarcar nesse riso fácil, essa luz calma sob a qual se deitam águas, mas também o fogo.


A Contemporaneidade e o Romantismo

Houve outra época pós-Descartes na qual a sociedade ocidental, passada uma guerra de proporções continentais, passou a desconfiar das ideias de progresso científico e social, recuou diante da crescente urbanização massificada e recusou o culto ao objetivismo. Essa época foi o que chamamos Romantismo.

Passada a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas, o europeu passa a se perguntar novamente se não seria o mundo das ideias e do iluminismo também outra ilusão diante da natureza trágica da vida. Repete-se novamente o "Ai de mim!", o homem incerto do caminho a se trilhar, voltando-se para si mesmo, valorizando o subjetivismo e a emoção.

Qualquer semelhança com a erosofia socrática e a contemporaneidade não seria, obviamente, mera coincidência. A recusa da ideia da razão como luz, o mundo das ideias externo ao homem, a objetividade e a razão, tudo isso parte da oposição da visão de Sócrates à de Platão. É, novamente, a Erosofia contra a Filosofia, o corpo contra a mente, a emoção contra a razão.

Não a toa é no Romantismo e na Contemporaneidade que a Mulher se torna figura central da sociedade, cujo parto e o delirium se mostram signos fundamentais da força propulsora da humanidade, seguindo a tradição maiêutica. Curioso notar inclusive como foi no Romantismo que Jane Austen e Emily Brontë tiveram seus livros publicados, tornando-se absolutos sucessos diante de um mundo no qual evidentemente elas não teriam espaço.

Talvez eu tenha me enganado, e não haja de fato nada de novo no mundo contemporâneo. Encontra-se novamente o pêndulo a pesar para diferentes lados da natureza humana.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A contemporaneidade e o ironismo socrático

A sociedade contemporânea se vê em um vazio de projeto para o encontro da verdade. A desconfiança reina sobre os discursos científicos, relativizados por dúbios métodos estatísticos e sucessivas contradições de teses.

Diante disso, ressurge com força a máxima "Só sei que nada sei", do discurso irônico de Sócrates, aliado a uma profusão de recursos místicos e esotéricos para o alcance de, se não uma verdade, uma sugestão - algo para se escapar do vazio.

Todo conhecimento anterior foi posto em desconstrução através da questionamento e da ironia, e agora, diante da eterna dúvida, se amontam adeptos de estudos do zodíaco, do tarô e de qualquer âncora simbólica de caráter místico.

A chamada erosofia socrática ganha assim terreno sobre a filosofia platônica. Se antes a razão, a moderação e a objetividade levaria a humanidade a sua emancipação pela verdade, hoje o ser humano busca se guiar não pela luz (fora da caverna), mas por símbolos que lhe são mostrados e o qual cultua (dentro da caverna).

Os rituais dionisíacos de culto ao prazer e à fertilidade - extremamente caros a Sócrates - têm ainda especial força devido ao advento do feminismo do século XX, mas também servem de fuga ao vazio da contemporaneidade. A máxima "Dá-me vinho, porque a vida é nada", de Fernando Pessoa, vai de encontro ao culto à erosofia dionisíaca e se torna caro ao homem contemporâneo, que adota tal visão de mundo irônica, desconfiada, esotérica e mística.

(esse texto é uma explicação do meu outro texto chamado "Dionísio")

quarta-feira, 16 de julho de 2014

A arte é um campo de guerra de muitas frentes, cujas margens fronteiriças avançam e recuam continua e furiosamente.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Dionísio

Nossa sociedade ocidental, com esse fetiche que tem da cultura greco-romana, talvez não esteja percebendo em si própria uma transição de retorno à tradição dionisíaca. 

Enfim temos o início do fim da influência escolástica sobre nossa vida. 

Que retorne, Dionísio! Há muito vos esperamos.  

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Divagações e reflexões

Acabo de ler um texto do filósofo Ghiraldelli sobre reflexões próprias da nossa sociedade. Há três pontos com os quais poderia resumir sua visão, muito convergente com a minha (apesar de não totalmente):

1- Talvez o ponto mais óbvio e ao mesmo tempo relevante: estamos sem inimigos. Não há mais o comunismo, a ditadura, o terrorismo ou o imperialismo para derrotar. Nossa sociedade se vê não como homogênea, mas como uma soma de indivíduos, limitando inimizades e conflitos apenas ao plano pessoal. Não odiamos os comunistas, mas odiamos o vizinho barulhento. Não queremos derrubar a ditadura, mas o pai autoritário. No máximo, os inimigos se deslocam para o plano abstrato: são as gorduras trans, o cigarro, o Sol do meio dia ou, quem sabe, o machismo. Sem inimigos reais, temos agora é que "vencer na vida".

2- Somos a sociedade do divertimento: será? Segundo Ghiraldelli, sem inimigos, somos obrigados a nos sentir alegres o tempo todo, pois é a vida agora que tem que ser vencida, e a felicidade é o prêmio final. Com isso, comediantes se transformam nos novos pop stars/gurus do cotidiano. Pode ser, mas creio que esse movimento seja recente demais para postulá-lo como definitivo. É possível que seja apenas um refluxo de contradição ao espírito depressivo dos anos 2000, tão bem traduzido pela música emo.

3- Somos uma sociedade de especialistas. Calma, vai além do mercado de trabalho: hoje há um manual de instruções para tudo que precisamos, e com a ajuda de especialistas podemos aprender em cem páginas a enriquecer, namorar, comer, meditar, até passar pela adolescência. A experiência subjetiva e a reflexão se perdem em meio a tantos passo-a-passos do que é preciso para "vencer na vida", para não ser um derrotado.

Tudo isso, ao meu ver, está bastante correto, no entanto, me parece faltar ao filósofo (não apenas ele) uma capacidade de síntese da sociedade contemporânea. Há um elo ligador entre todas essas características e particularidades, que é a morte das identidades externas, como já defendi anteriormente. Não há mais inimigos porque ninguém mais se vê como comunista, militarista, terrorista ou imperialista. Religiões, vanguardas e ideologias, nada mais disso serve de identidade ao homem contemporâneo, que não quer limitar suas ações ou opiniões a uma estrutura definida de visão de mundo.

A identidade, com o prefixo idem (igual), é um conceito de coletividade, a fim de um indivíduo ver o outro como igual a si. Mas a modernidade é líquida, como já dizia Bauman, e essa liquidez só pode se formar como tal enquanto o indivíduo se ver apenas como si próprio. Não basta ser singular ou único, é preciso ser um universo semântico fechado em si mesmo.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Sociedade sem ethos

Seria esse o destino final da sociedade contemporânea, mergulhada na democracia liberal? O fim de princípios básicos a nortear seus próprios valores, o império do relativismo?

Talvez seja essa a consequência natural do pluralismo: uma sociedade norteada apenas em conceitos negativos.

Em breve, as crianças estarão diante da seguinte afirmação:

"Não nos propomos em princípio a nada, você faz suas próprias propostas, mas a certas coisas não se pode propor".

Daí chegamos à pergunta: isso é bom ou ruim?

Camus e Sartre têm muito a responder.

O Som ao Redor

Hoje escrevo porque escrevo. Porque preciso escrever sobre algo, mesmo que esse algo seja menos que nada, pois ainda assim seria alguma coisa.

Mas seria isso que escrevo alguma coisa? Algo além de nada, mesmo que menos? Não me convenço.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

O espírito Abramovic

O que talvez me incomode em artistas como Marina Abramovic é a clara tentativa de, comunicando-se através de mídias de massa, dar um tom de profundeza espiritual a seu trabalho.

Não que não haja algo de intensamente espiritual em suas performances, meu problema é como ela se encara fora delas, como se comunica com a mídia, em entrevistas, por exemplo. Enaltecer a espiritualidade de sua arte é a melhor forma de cair na mediocridade.

Claro, quem sou eu para falar de Abramovic? Minhas impressões não passam de achismos subjetivos, enquanto ela é quem ela é. Apenas divago, eternamente.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Soixante dix-sept

Faz três dias que voltei de Paris, e por pouco que fiquei por lá, conseguindo entrar no avião na última chamada. Estando o voo marcado para às 10h30, sair no dia anterior e acordar, por acaso, às 8h30 certamente não foi uma sábia decisão.

Mas enfim, cá estou de volta ao Rio. Retorno a cidade onde consigo realmente me ver como eu mesmo, onde minha essência se mistura a todo o caos e amor que se entrelaçam por essas ruas engarrafadas.

Paris, descobri de primeira, é um símbolo morto imerso no grandioso tédio de seus moradores, submetidos à prostituição de um turismo raso, seco, e muitas vezes violento. Se, há 50, 40 anos, Paris era uma festa, onde tudo acontecia, hoje Paris é um final de festa, e todos não vêem a hora de ela acabar.   

Esqueça Paris, mas esqueça também São Paulo, pois o Rio é a cidade que pulsa. Não há outro lugar para se estar se não aqui, nesse momento.

Pois o Rio é a cidade em que se respira o instante.