quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Cap. 5: Alô?

O telefone, então, toca. Eu, ainda abismado com as formiguinhas, sou arrancado de minha realidade paralela, confinado novamente pelo simples barulho de uma chamada. Zango-me e saio de meu trono. Arrasto-me pelo apartamento, guiado pelo maldito toque, até que, finalmente, encontro o telefone. Imaginei quantas vezes ele tocaria naquele dia. Não seria menos de cinco, mas também não muito mais de dez. Ou, pelo menos, assim esperava.

Atendo. A voz que me cumprimenta parece distante, vaga. Zonzo, retorno o bom dia e agradeço pelos “parabéns” sem ter ideia de quem possa estar me concedendo tais honras. Calculo a intensidade da voz. Não pode ser alguém muito conhecido, caso contrário, hesitaria menos. Seria um amigo antigo? Não sei, não me vem à cabeça qualquer nome que possa me ser útil no reconhecimento da pessoa.

Tempo, pelo visto, não lhe falta, pois cerca de dez minutos se passam e a incógnita teima em falar sem que eu descubra seu valor. Os assuntos, todavia, são diversos. O homem parece ser uma ótima companhia, tendo em vista sua capacidade de pular do mais simples futebol (o qual desprezo) aos mais intrínsecos ramos da política (a qual da mesma forma não me agrada). Se bem me recordo, o que garanto ser improvável, assuntos como mulheres e casos desconhecidos também estiveram presentes.

São, por fim, dadas as despedidas e, aliviado, desligo o telefone sem ter cometido nenhuma falta com o homem cuja voz não fora por mim reconhecida. As perguntas, felizmente, foram escassas e, quando houve, vieram de mim, tendo como objetivo a fuga de uma incongruência na conversa com meu desconhecido amigo. Grande amigo, ele. Pena que me escapara seu nome.

Revelo, assim, ao leitor o primeiro telefonema do meu aniversário. No que parece um cômico caso de amnésia momentânea, esconde-se uma flecha de dúvida direcionada à minha pessoa, certeiramente atingida pela arma. Ponho-me a divagar que homem tão simpático era aquele que me ligara.

A dúvida, porém, finda apenas meses depois. Hoje, nesse exato instante, sei quem era o portador da voz que me assolou com o questionamento sem resposta.