segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ridiculosidade

Não preciso parar muito para pensar no tamanhos dos privilégios que me são concedidos devido a onde e como nasci. Branco, rico, homem, a lista é longa de toda posição de poder que me é involuntária e injustamente ofertada, da qual muitas vezes me beneficio, querendo ou não.

Meu desejo é muitas vezes de saber o que é estar em outra posição, em sofrer do pressuposto contrário: de que você é ladrão, vadia, vagabundo, por aí vai... A ridiculosidade, no entanto, é evidente, e logo percebo que muitos simplesmente desejariam estar efetivamente na minha posição, quando eu, no máximo, gostaria de fazer um tour pelo outro lado.

Buscar uma outra sociedade, no meu caso, é mais que um imperativo moral, é um imperativo pessoal, de modo a não me sujeitar mais a tais pensamentos ridículos.

Ainda assim, nunca deixo de rir de mim mesmo.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O futuro olha para mim por poucos segundos com bons olhos, mas em instantes vira o rosto para mirar no olhar de outrem.

Daquele breve tempo vejo um primeiro lampejo de algo para além do vazio. Da continuidade fria à qual já há muito me acostumei, posso crer haver algo mais.

Assumir o timão de um navio à deriva pode ser estimulante, mas é de fato perigoso. É preciso pela primeira vez saber para onde se deseja ir, estar sujeito aos próprios erros e más direções.

Ainda que por fim, sim, vale a pena sofrer mais por seus erros que pelos de outros.

Os únicos erros dos quais me arrependo foram de quando dividimos o mesmo navio.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

De um tão breve anoitecer

Passa-se a noite e vejo você



De um ainda longo amanhecer

Trago-me doenças. Ventanias maculadas a passar pelo meu corpo nu nada mais são que meu próprio sopro.

Nada mais são que meu próprio sopro.
Nada mais louco que meu próprio corpo.

Vieses tamanhas a entorpecer o pensar se jogam soltas esperando por quem as pegar. Pobre ainda é a rima, mas talvez eu ria de quem me julgar.

Continuo rindo, pois não estou sozinho.


sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Nessas horas sinto tão mais presente a ausência de outrem a quem tocar e ser tocado

sábado, 1 de novembro de 2014

Passa-se o vento

Diante de penumbra fria
adentra o vento
A soprar forte sobre terra
límpida, a arrastar tristezas

Passa-se o vento
Aqui e ali
Uma vez e novamente

Sopraria o vento para si?
Ou estaria ele a nos beijar?

Sinto o vento agora.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

É sempre bom se lembrar

"A linguagem é uma legislação, a língua é seu código. Não vemos o poder que reside na língua, porque esquecemos que toda língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva: ordo quer dizer, ao mesmo tempo, repartição e cominação. Jákobson mostrou que um idioma se define menos pelo que ele permite dizer, do que por aquilo que ele obriga a dizer. Em nossa língua francesa (e esses são exemplos grosseiros), vejo-me adstrito a colocar-me primeiramente como sujeito, antes de enunciar a ação que, desde então, será apenas meu atributo: o que faço não é mais do que a conseqüência e a consecução do que sou; da mesma maneira, sou obrigado a escolher sempre entre o masculino e o feminino, o neutro e o complexo me são proibidos; do mesmo modo, ainda, sou obrigado a marcar minha relação com o outro recorrendo quer ao tu, quer ao vous; o suspense afetivo ou social me é recusado. Assim, por sua própria estrutura, a língua implica uma relação fatal de alienação. Falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada freqüência, é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada".

Malogramos sempre ao falar que amamos

O erro de Barthes é mais profundo.
Achamos que amamos porque assim falamos.

O que uma noite mal dormida não faz com você..

É tão fácil escrever assim

Ele andava discretamente, meio a torto, quase que tropeçando em seus próprios pés. Seu andar era apressado, de passadas curtas, meio curvas.

Pensava: "Que bem me faria uma buceta agora". Pensava com 'u' mesmo, quiçá acentuadamente.

Seu interesse por uma vulva não era meramente vulgar, sentia real necessidade de ter-se entre as pernas de qualquer moçoila a frente. Tal desejo seria facilmente substituível por um cigarro entre os dedos, mas a falta do mesmo tinha aquele efeito devastador sobre seu membro, que constantemente gemia e reclamava por um interior para si.

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Escrevo isso para me distrair, talvez amortecer meu marasmo. Escrever é minha maior preciosidade, minha maior força nesse momento.

Xiitas Imaginários

Concebem parasitários
Irritados, crassos, perdem o compasso
Seguem tortos pelo maço
Sentem-se povo, mas proprietários

Pelo luxo, rima rica
Perde-se o tesão de rimar
Pelo fluxo, queratina
Mas sem o medo de errar

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Há de se pensar o que se deseja quando estamos escrevendo. Por vezes, deseja-se nada, e, por vezes, tudo de uma vez. Acaba sendo tudo (e nada) a mesma merda.

Saudades de La Catedral.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Fase terceira de divulgação efêmera

Vi-me hoje a dar aula e aplicar uma prova que eu mesmo fiz. Apesar de minha fala rápida, conquistei a simpatia de uma turma há muito perdida na triste ciência da economia.

Chegando em casa pus-me a estudar para a prova de História Econômica Brasileira, da qual sofrerei a chaga amanhã de manhã. Imprudentemente, coloquei para tocar uma banda para a qual eu não havia ainda atentado, de eletro rap. No final, saiu uma música de minha cabeça, além do aperfeiçoamento de outras duas.

Estou grávido de um álbum faz uns dois anos. Ele já gestou tudo que poderia gestar, mas seu parto ainda não se deu por pura negligência parental. Hoje, disponho inclusive dos meios materiais para apartá-lo de minha mente e concretizá-lo fisicamente, mas falta-me tempo para o demorado e penoso processo.

Enquanto isso, continuo me atrevendo a sonhar. O sonho é meu cordão umbilical com um outro eu talvez mais feliz.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Distopia Uniforme

Uniformemente variado
Segue meu coração acelerado
Movimento em escalada
Melhor comer minha salada.

Isso mesmo que você leu.

Temática em dois tempos

Somos tantos a se sentir tão pouco
Caminhando vagos junto àqueles
que um dia quiseram não sentir nada
Pois sentir-se só é do nada pouco

Eterna multidão a crescer encolhida
Ruas cheias de almas sozinhas
Só lidam com a chegada ao dia
Solidão com afeição vazia

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Quebro-te, quebro-me
Permanecer apartados
A partir de nós mesmos
Um oceano acossado

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Nada disso-Tudo disso

Nada disso
Nada disso jamais será em vão
Nada disso perderá nunca seu valor
Nada disso seria uma dia mágoa, amargura
Nada disso passaria eventualmente à distante memória

Tudo disso
Tudo disso persiste, resiste, existe
Tudo disso permanecerá e se expandirá
Tudo disso terá seu momento, seu alento.
Tudo disso é isso.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Queria escrever como se fosse pela primeira vez

Queria ver como se nunca antes tivesse aberto os olhos. A eminência de um primeiro momento, o instante-já da graça daquilo que lhe abre as suturas do antes, dejà. O língua me queima a boca, a língua me queima à boca. A língua faz-me perder o tom.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Pois a vida é tudo

Lugar distímico esse que se alarga rápido, calmo, forte e tenso.

Expande-se pela embaçada brasa que me acolhe como ventre que nutre e fere, mas não se deixa par(t)ir.

Queria-me abarcar nessa chuva morna, esse desolado choro sobre o qual navegam mágoas, mas também saudades.

Queria me embarcar nesse riso fácil, essa luz calma sob a qual se deitam águas, mas também o fogo.


A Contemporaneidade e o Romantismo

Houve outra época pós-Descartes na qual a sociedade ocidental, passada uma guerra de proporções continentais, passou a desconfiar das ideias de progresso científico e social, recuou diante da crescente urbanização massificada e recusou o culto ao objetivismo. Essa época foi o que chamamos Romantismo.

Passada a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas, o europeu passa a se perguntar novamente se não seria o mundo das ideias e do iluminismo também outra ilusão diante da natureza trágica da vida. Repete-se novamente o "Ai de mim!", o homem incerto do caminho a se trilhar, voltando-se para si mesmo, valorizando o subjetivismo e a emoção.

Qualquer semelhança com a erosofia socrática e a contemporaneidade não seria, obviamente, mera coincidência. A recusa da ideia da razão como luz, o mundo das ideias externo ao homem, a objetividade e a razão, tudo isso parte da oposição da visão de Sócrates à de Platão. É, novamente, a Erosofia contra a Filosofia, o corpo contra a mente, a emoção contra a razão.

Não a toa é no Romantismo e na Contemporaneidade que a Mulher se torna figura central da sociedade, cujo parto e o delirium se mostram signos fundamentais da força propulsora da humanidade, seguindo a tradição maiêutica. Curioso notar inclusive como foi no Romantismo que Jane Austen e Emily Brontë tiveram seus livros publicados, tornando-se absolutos sucessos diante de um mundo no qual evidentemente elas não teriam espaço.

Talvez eu tenha me enganado, e não haja de fato nada de novo no mundo contemporâneo. Encontra-se novamente o pêndulo a pesar para diferentes lados da natureza humana.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A contemporaneidade e o ironismo socrático

A sociedade contemporânea se vê em um vazio de projeto para o encontro da verdade. A desconfiança reina sobre os discursos científicos, relativizados por dúbios métodos estatísticos e sucessivas contradições de teses.

Diante disso, ressurge com força a máxima "Só sei que nada sei", do discurso irônico de Sócrates, aliado a uma profusão de recursos místicos e esotéricos para o alcance de, se não uma verdade, uma sugestão - algo para se escapar do vazio.

Todo conhecimento anterior foi posto em desconstrução através da questionamento e da ironia, e agora, diante da eterna dúvida, se amontam adeptos de estudos do zodíaco, do tarô e de qualquer âncora simbólica de caráter místico.

A chamada erosofia socrática ganha assim terreno sobre a filosofia platônica. Se antes a razão, a moderação e a objetividade levaria a humanidade a sua emancipação pela verdade, hoje o ser humano busca se guiar não pela luz (fora da caverna), mas por símbolos que lhe são mostrados e o qual cultua (dentro da caverna).

Os rituais dionisíacos de culto ao prazer e à fertilidade - extremamente caros a Sócrates - têm ainda especial força devido ao advento do feminismo do século XX, mas também servem de fuga ao vazio da contemporaneidade. A máxima "Dá-me vinho, porque a vida é nada", de Fernando Pessoa, vai de encontro ao culto à erosofia dionisíaca e se torna caro ao homem contemporâneo, que adota tal visão de mundo irônica, desconfiada, esotérica e mística.

(esse texto é uma explicação do meu outro texto chamado "Dionísio")

quarta-feira, 16 de julho de 2014

A arte é um campo de guerra de muitas frentes, cujas margens fronteiriças avançam e recuam continua e furiosamente.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Dionísio

Nossa sociedade ocidental, com esse fetiche que tem da cultura greco-romana, talvez não esteja percebendo em si própria uma transição de retorno à tradição dionisíaca. 

Enfim temos o início do fim da influência escolástica sobre nossa vida. 

Que retorne, Dionísio! Há muito vos esperamos.  

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Divagações e reflexões

Acabo de ler um texto do filósofo Ghiraldelli sobre reflexões próprias da nossa sociedade. Há três pontos com os quais poderia resumir sua visão, muito convergente com a minha (apesar de não totalmente):

1- Talvez o ponto mais óbvio e ao mesmo tempo relevante: estamos sem inimigos. Não há mais o comunismo, a ditadura, o terrorismo ou o imperialismo para derrotar. Nossa sociedade se vê não como homogênea, mas como uma soma de indivíduos, limitando inimizades e conflitos apenas ao plano pessoal. Não odiamos os comunistas, mas odiamos o vizinho barulhento. Não queremos derrubar a ditadura, mas o pai autoritário. No máximo, os inimigos se deslocam para o plano abstrato: são as gorduras trans, o cigarro, o Sol do meio dia ou, quem sabe, o machismo. Sem inimigos reais, temos agora é que "vencer na vida".

2- Somos a sociedade do divertimento: será? Segundo Ghiraldelli, sem inimigos, somos obrigados a nos sentir alegres o tempo todo, pois é a vida agora que tem que ser vencida, e a felicidade é o prêmio final. Com isso, comediantes se transformam nos novos pop stars/gurus do cotidiano. Pode ser, mas creio que esse movimento seja recente demais para postulá-lo como definitivo. É possível que seja apenas um refluxo de contradição ao espírito depressivo dos anos 2000, tão bem traduzido pela música emo.

3- Somos uma sociedade de especialistas. Calma, vai além do mercado de trabalho: hoje há um manual de instruções para tudo que precisamos, e com a ajuda de especialistas podemos aprender em cem páginas a enriquecer, namorar, comer, meditar, até passar pela adolescência. A experiência subjetiva e a reflexão se perdem em meio a tantos passo-a-passos do que é preciso para "vencer na vida", para não ser um derrotado.

Tudo isso, ao meu ver, está bastante correto, no entanto, me parece faltar ao filósofo (não apenas ele) uma capacidade de síntese da sociedade contemporânea. Há um elo ligador entre todas essas características e particularidades, que é a morte das identidades externas, como já defendi anteriormente. Não há mais inimigos porque ninguém mais se vê como comunista, militarista, terrorista ou imperialista. Religiões, vanguardas e ideologias, nada mais disso serve de identidade ao homem contemporâneo, que não quer limitar suas ações ou opiniões a uma estrutura definida de visão de mundo.

A identidade, com o prefixo idem (igual), é um conceito de coletividade, a fim de um indivíduo ver o outro como igual a si. Mas a modernidade é líquida, como já dizia Bauman, e essa liquidez só pode se formar como tal enquanto o indivíduo se ver apenas como si próprio. Não basta ser singular ou único, é preciso ser um universo semântico fechado em si mesmo.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Sociedade sem ethos

Seria esse o destino final da sociedade contemporânea, mergulhada na democracia liberal? O fim de princípios básicos a nortear seus próprios valores, o império do relativismo?

Talvez seja essa a consequência natural do pluralismo: uma sociedade norteada apenas em conceitos negativos.

Em breve, as crianças estarão diante da seguinte afirmação:

"Não nos propomos em princípio a nada, você faz suas próprias propostas, mas a certas coisas não se pode propor".

Daí chegamos à pergunta: isso é bom ou ruim?

Camus e Sartre têm muito a responder.

O Som ao Redor

Hoje escrevo porque escrevo. Porque preciso escrever sobre algo, mesmo que esse algo seja menos que nada, pois ainda assim seria alguma coisa.

Mas seria isso que escrevo alguma coisa? Algo além de nada, mesmo que menos? Não me convenço.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

O espírito Abramovic

O que talvez me incomode em artistas como Marina Abramovic é a clara tentativa de, comunicando-se através de mídias de massa, dar um tom de profundeza espiritual a seu trabalho.

Não que não haja algo de intensamente espiritual em suas performances, meu problema é como ela se encara fora delas, como se comunica com a mídia, em entrevistas, por exemplo. Enaltecer a espiritualidade de sua arte é a melhor forma de cair na mediocridade.

Claro, quem sou eu para falar de Abramovic? Minhas impressões não passam de achismos subjetivos, enquanto ela é quem ela é. Apenas divago, eternamente.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Soixante dix-sept

Faz três dias que voltei de Paris, e por pouco que fiquei por lá, conseguindo entrar no avião na última chamada. Estando o voo marcado para às 10h30, sair no dia anterior e acordar, por acaso, às 8h30 certamente não foi uma sábia decisão.

Mas enfim, cá estou de volta ao Rio. Retorno a cidade onde consigo realmente me ver como eu mesmo, onde minha essência se mistura a todo o caos e amor que se entrelaçam por essas ruas engarrafadas.

Paris, descobri de primeira, é um símbolo morto imerso no grandioso tédio de seus moradores, submetidos à prostituição de um turismo raso, seco, e muitas vezes violento. Se, há 50, 40 anos, Paris era uma festa, onde tudo acontecia, hoje Paris é um final de festa, e todos não vêem a hora de ela acabar.   

Esqueça Paris, mas esqueça também São Paulo, pois o Rio é a cidade que pulsa. Não há outro lugar para se estar se não aqui, nesse momento.

Pois o Rio é a cidade em que se respira o instante. 

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Pondé costuma dizer que tudo que o jovem quer é se sentir parte de algo.

Talvez essa seja a aspiração inconsciente de todo ser humano, na verdade.

Estranho, então, essa contemporaneidade, na qual toda identidade externa é negada.

Não à toa somos a geração dos dístimicos: não nos sentimentos (nem queremos nos sentir) pertencentes a nada, e por isso perdemos qualquer chance de dar algum significado à nossa vida.

Pertencer-se a si mesmo apenas raramente é suficiente.
E os meses passam por 2014, tudo acontecendo comigo um pouco alheio, meio expectador do mundo.
Queria eu às vezes ser apenas expectador de mim mesmo.

Há às vezes esse ar que passa por mim. Me pega de surpresa, faz-me loucuras com a cabeça, e fico sem saber o que dizer.

Essa distração perene, esse tráfego árduo, toda dificuldade que eu tenho de me fazer entender comigo mesmo.

É muito complicado quando esse peso se mostra ali, debaixo do tapete, onde sempre esteve e você nunca percebeu. Às vezes é possível tirá-lo dali, às vezes já há muito volume para ser retirado, apenas ele só se desloca, silenciosamente, até você descobri-lo mais uma vez.

Talvez uma faxina geral seja preciso. A questão é que estou cada vez mais convencido que o problema é  endógeno: acabar com ele seria acabar comigo. Ele faz parte de mim.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Não desanimar talvez seja o único imperativo.
Somos feitos de matéria e sentimento, a fim de alcançar única e exclusivamente nossa humanidade. Se a felicidade é passageira, o viver é eterno. Se por vezes nos sentimos aquém dos vivos, resta-nos tentar ser felizes. Porque é assim, de fato, não há muito além que seja de alguma importância. Com risco de cair no clichê, a vida é feita para ser vivida. E, enquanto tentarmos, estaremos vivos.
Há pessoas lá fora tocando violão e cantando.
Foi sempre isso que eu quis.
Foi sempre isso que eu procurei.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Tríptico dourado fosco

Dora-se
Me parece pouco, com fosco, ofuscando o tonto, corando.
Não segue além, me segue aqui, comigo, esse seu rumo.
Dora-me
Adora me evitar, ama amá-la, amo vos amar.
Não me convém ser, mas conforme vem, sei, serei.
Dora-lhe
Há mais do que parece, há mais do que aguento
Âmago, hamas, carece de excesso, deixa-me exceder.




terça-feira, 10 de junho de 2014

Volúpia Rosa

Tudo que passou um dia ao largo retorna
De vago, crasso, novamente está de volta
Nada partindo sem deixar traço, abraço
Divago, claro, apenas sei que vou-me embora

Embora, embora não irei sem esse laço
Passo, Tudo isso é o que demora
Meu âmago, animus, insiste na memória
Amargo, trago, correndo tão antes ama(n)do

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Expiro sem inspiração, findando meu valor
Por vezes por vontade, mas nunca coerção
Não vou rimar com 'coração'.
Rio-me só quando rimo amor com dor


terça-feira, 3 de junho de 2014

Já escrevi isso aqui antes, em 2010.

Há algo de essencialmente belo na tristeza, algo que talvez a felicidade não carregue consigo.
A poética do sofrimento, que os budistas falharam em captar, é possivelmente uma força motriz da arte.

Mais uma vez, o que seria preferível: viver com arte ou sem tristeza?

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Não me erra

Sinto hoje sua pele na minha como se não nos separássemos pela manhã. A apartação, puramente corpórea, não se deu entre nossas almas, que continuam como uma.

A manhã se torna, assim, uma ruptura. Rompem-se meus sonhos da realidade, tão distantes então quanto meu corpo de meu desejo.

Restam-me intactas, no entanto, as lembranças de seus beijos, que vou beijando como se tivessem sido os últimos - e ai de mim quando assim o for. Minha mente toca novamente meu desejo, ligando o corpo à minha alma enfim. Sigo dessa forma até te rever sob o véu estrelado da noite.

Beijo-te para que possa lembrar sempre de seus beijos.
Lembro para poder unir, mesmo que por poucos segundos, meu corpo e alma novamente.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Efemeridades

A efemeridade é bela, pois é fluida. Ela se move, desloca-se, às vezes sem nem perceber.
Ser efêmero é ser sempre algo além do que você já foi.

As efemeridades da vida talvez sejam o que ela tem de mais belo.
Ao nos atentarmos mais a elas, talvez percebamos melhor a preciosidade de viver.

Canso-me

Pergunto-me a razão dos deslumbres. Creio que por vezes o que está posto não me é suficiente, é preciso ir além, nem que para depois voltar.

Canso-me de quando em quando dessas viagens, talvez fosse tempo de ficar afinal onde estou. Perderia, no entanto, imagináveis espaços e tempos diversos, e assim, quem sabe, acabasse por me entediar novamente.

Parece que minha vida se resume a essa oposição entre o cansaço e tédio.

domingo, 25 de maio de 2014

Sonhos breves que se diluem silenciosamente por entre as mais cotidianas violências.

Frágil brilho que se fosca pelas intermutáveis constâncias de uma outra noite escura.


A pele se distende ao lhe tocarem os longínquos sopros daquilo que um dia quedou mudo. A ruptura silenciosa é a única a se fazer sentir diante do ruído da continuidade.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Diálogo meu comigo mesmo

- Está tudo bem?
- Está tudo bem longe de bem.
- Pelo menos você sabe que daqui só melhora.
- Sim, eu sei, a vida tende à felicidade.
- Então avante! Afinal, o horizonte é logo ali.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Tudo que fomos (e tudo que não somos)

Fomos a chama fluida cujo apelo derrete silenciosamente as bordas de nosso trôpego caminhar. Não somos hoje nada além da vagarosa lembrança que teima em me chamar para seu turbulento descanso.

Fomos a identidade líquida da sussurrante claridade de uma penumbra tímida. Não somos agora nem instante cujo desdenhar do momento haveria de quem sabe um dia liquidar.


Tudo que fomos é o que não somos. Nada do que somos foi o que fomos.

Tenho fome de novamente ser.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Não sinto calor, mas está tão abafado... Um ar sufocante, que lentamente me pressiona para uma pequeneza imprecisa, apertada. Como se o espaço se reduzisse ao fluxo de pensamentos e sensações.

Estou ficando cada vez menor diante da grandeza do mundo.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Meu medo

Quando criança, comecei a desenvolver narrativas futuras à minha vida. Começando a ler livros de ficção, entre os oito, nove anos, não consegui me imaginar trabalhando com qualquer outra coisa que não fosse a literatura (infanto juvenil até então). Mas não me bastava dizer: 'Serei escritor', era necessário criar histórias, datas e marcos na minha vida profissional (sempre interagindo com uma desvalorizada vida pessoal). Eram verdadeiras histórias que criava na minha mente, de certa forma semelhantes àquelas às quais submetia meus brinquedos.  

Meu sonho de ser escritor durou até os 13, 14 anos, tendo rendido três (péssimos) livros de ficção incompletos. Um chegou a ter 190 páginas de folha A4, enquanto outro tinha 90, e o último, 40. Recentemente reli esses livros com muito gosto, rindo de como pude algum dia escrever tamanhas barbaridades. Lembro de como esse sonho foi cada vez mais dando lugar a outro: o de ser músico.

A música sempre me foi sedutora, mas o sonho, a projeção, tal qual me fora a ideia da literatura, já me foi bem mais incerto. Havia certamente a questão da aptidão: enquanto muitos elogiavam - não sei como - meus livros e histórias, como músico demorei muito a receber qualquer elogio que fosse. O ritmo foi-me o primeiro desafio, me levando a passar horas tentando separar compassos. Nunca me foi natural o aprisionamento do som em uma batida contínua, tinha até então ouvido música de forma extremamente errática. Talvez só com 15 anos tenha começado a dominar meu passo, de modo que pude me disciplinar a trocar de notas no tempo certo. Até ali, no entanto, já tinha criado todos meus álbuns, datas de lançamento, críticas e entrevistas da vida de músico projetada na minha mente.

Foi a partir dessa idade, no entanto, que começaram outros dois interesses: política e economia. E assim passei a me imaginar também político e economista. Para piorar, aos 16 anos redescobri a literatura, através da biblioteca pessoal do pai de minha primeira namorada. Começando por Goethe, seguindo por Camus, até pousar finalmente em Graciliano Ramos, o sonho de ser escritor retornou como um foguete que volta estrondoso à Terra. Foi nessa época que criei esse blog.

O novo sonho de escritor durou até meus 18 anos e rendeu, dessa vez, bons contos. O desejo de ser músico voltava então, finalmente rendendo críticas positivas às minhas composições. Até os 20 anos meu estudo e produção foram intensos, mas desde então dando lugar a outros sonhos.

Hoje me vejo aqui, fazendo estágio no Instituto Brasileiro de Economia, estudando Ciências Econômicas na UFRJ, cursando o programa de Fundamentação da Escola de Artes Visuais, escrevendo sobre música na Revista Agito Rio. Parece-me às vezes que perdi um pouco o rumo e misturo os sonhos. Minhas projeções narrativas continuam, mas agora diversificadas, abarcando múltiplas possibilidades. Diante disso, percebo meu receio de ser monocromático. Não quero me ver no futuro limitado a um caminho por ter sido obrigado a escolher. Meu sonho de fato é transitar por todos os versos da vida, descobrir e desenvolver quantas aptidões forem possíveis.

Talvez meu medo seja tornar o futuro previsível.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Isso é arte?

Essa talvez seja uma das perguntas mais imbecis já feitas pela sociedade ocidental, em qualquer momento do tempo, para qualquer obra. Não vou me explicar muito, acordei meio Pondé hoje (sorry, Constantino), mas esse fetiche nosso pelo limite filo conceitual é realmente desgostoso. 

A questão não é se isso é arte, mas se arte é isto. 

A obra está para arte assim como o oceano está para o fundo do mar. 

Seu Choro é leve e belo

O Arpoador já foi escolhido pelos cariocas como o local mais feliz da cidade. Nada mais contraditoriamente natural do que terem sido realizados lá alguns shows de comemoração do Dia Nacional do Choro.

Diante desse infame hábito carioca de bater palmas para o pôr do Sol, este se escondeu ontem atrás das nuvens para que pudessem os músicos serem os aclamados do dia. Os shows puderam ser ouvidos por todo o arredor do Posto 7, adicionando sublime sonoridade à beleza visual da praia.

O Rio de Janeiro não é a Cidade Maravilhosa apenas por sua paisagem, mas principalmente pelos cariocas, que, com todas suas contradições, transpiram leveza e musicalidade.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Não sei hoje se me rasgo de suas memórias ou se me uno ainda mais a esses tão breves e atormentados momentos. A angústia da indefinição mergulha sobre mim e, de repente, me vejo aprisionada nesse eterno retorno à sua lembrança. Meu corpo se estica ao som do não movimento, minha mente se espalha por esse breve não ser, que emerge de dentro de mim. Estou no limbo entre o 'não você' e o 'não eu'.

Ah, mas minha pele clama pelo seu suor, enquanto meus pensamentos gritam para não ouvir o azul da sua voz. Meu maior desespero seria ter-me novamente em seus braços, que me aqueceriam naquele úmido abraço no qual nos imergíamos tão violentamente.

Talvez eu busque um pouco da dor que você me fez sentir, só para não voltar a me anestesiar.

Recalque por uma nota ruim

Sou chato. Para piorar, minha chatice hoje não está nem mais velada sob o véu da subjetividade, mas é objetivamente mensurada, através do aplicativo "Lulu", que, no atributo "Humor", avaliou-me com uma média de 6,5, de longe meu pior score nesse teste. Por que isso, afinal, se não sou carrancudo, ou mesmo mal humorado de fato? Acredito, na verdade, que essa nota tenha se dado muito por um péssimo hábito meu, que fui adquirindo rapidamente ao longo da vida, de simplesmente pensar demais sobre qualquer situação, em qualquer momento.

Não sei realmente a que isso se deveu. Realmente, não há no meu histórico familiar aspirantes a pensadores de qualquer coisa. Nunca tive amigos importantes até meus dez anos, e nem aqueles que começaram a importar para mim tinham qualquer propensão à intelectualidade. Mas a verdade é que hoje estou treinado em captar relações, dissecar formalismos, buscar padrões em praticamente tudo que experimento à minha volta. Ouço uma música sempre tentando compreender sua estrutura rítmica e harmônica, procurando proximidades com outros compositores (sou mestre em identificar melodias semelhantes). Vai além, assisto um filme hollywoodiano antecipando seu clímax e final, vejo uma pintura já buscando sua forma, mensurando seu grau de planaridade, etc...

Fosse apenas isso, não restaria problemática alguma, pois há quem aguente e - pasmem - goste dessa minha chatice. A questão é justamente que a causa da mesma, meu overthinking, me atrapalha profundamente em desenvolver algo que me é muito precioso: minha sensibilidade. Entendam, nenhuns leitores, isso não quer dizer que não sinto nada, mas que não consigo identificar, sintetizar ou compreender meus sentimentos. E isso se tornou um grande problema a partir do momento em que eu comecei a me envolver emocionalmente com a arte, pois esta, apesar de poder ser pensada no ex post, se origina única e exclusivamente de sensações e sentimentos, que são canalizados através da força interpretativa do artista.

Isso quer dizer que pensar atrapalha a sensibilidade? Não sei exatamente, mas quando imagino as duas coisas juntas é como se a primeira fosse a conversa entre muitas pessoas espremidas no elevador, e a segunda fosse a melodia que toca ao fundo. É preciso que se converse mais baixo para perceber que algo está tocando, e é necessário estar em silêncio para se apreciar totalmente a música. O que essa analogia significa é que os sentimentos, mesmo quando se manifestam explosivamente, são sutis e cheios de detalhes próprios, nunca poderão ser identificados quando os ruídos do pensamento se fazem muito volumosos.

Como escapar dessa quina de sinuca e fazer arte? Mas é claro, mergulhando no formalismo. Explico: conforme fui me interessando em fazer músicas de verdade (ou seja, para além daquelas que compunha até os dezoito anos, de maneira extremamente caótica e randômica), fui percebendo que me faltava um certo conforto comigo mesmo em experimentar qualquer coisa para além daquilo que já conhecia. Minha solução, então, foi conhecer absolutamente tudo que o tempo me permitisse, indo de Phillip Glass a Shawlin e, assim, estender ao máximo minha gama de possibilidades musicais.

A consequência de tal escolha se mostrou clara no limiar dos meus 20 anos, no qual compus cinco músicas pensando: vou fazer algo que Steve Reich faria se encontrasse com a Björk. O resultado foi um EP, nomeado (quase ironicamente) de 'Fluxo de Inconsciência', que teve uma boa repercussão entre meus amigos, até por dois pianistas cujo trabalho eu muito aprecio. Mas, apesar de toda crítica greenberguianamente positiva possível ali, senti naquelas músicas que faltava muito algo de meu.

Esse problema se estende a todo tipo de arte que tento produzir. Quando escrevo, penso: vou fazer algo que Clarice Lispector faria, ou talvez Graciliano Ramos, quem sabe Agualusa. O único que escapa desse genocídio literário é Mia Couto, cujo pedestal no qual o coloquei é muito alto para eu pensar em alcançar. Nas artes visuais ainda não sou bom o suficiente para pensar em forma de desenho, mas quando o for, tenho certeza que pensarei antes de qual tradição vou tomar as linhas, cores, etc...

Estou, atualmente, treinando o máximo possível para silenciar gradualmente meus pensamentos. Tenho flertado com as ideias de fazer uma meditação, yoga, algo que, para eu realizar, precise de total vazio mental. Talvez, então, consiga aprender a identificar meus sentimentos e parar de dizer por que razão objetiva eu gostei de tal obra de arte. Parece-me menos chato. Quem sabe, assim, não possa melhorar minha nota no "Lulu"?

Sobre Pondé

Diante de um texto que destruíra meu respeito intelectual por Luiz Felipe Pondé, o último articulista da direita que considerava honesto, resolvi me enveredar no seu pensamento e ler seu último livro: "A filosofia da adúltera - Ensaios Selvagens", a fim de compreender suas afirmações. De fato, além de um estilo textual que muito apreciei, pude entender, a partir da explicação de sua tradição intelectual e motivações, muito de sua filosofia, até na sua última coluna do jornal 'Folha de São Paulo', na qual afirma que a esquerda se proliferou necessariamente porque consegue comer mais mulheres, e a direita tem que ser festiva para fazer o mesmo.

Pondé basicamente entende o corpo como 1- objeto de tédio e 2- origem do pensamento (o seu corpo determina suas convicções, ideias e mesmo sua forma de pensar). Em uma leitura extremamente nietzschiana, o filósofo vê o sofrimento como engrandecedor, sem o qual apodreceríamos entediados. Assim, todo homem que faz de tudo para não sofrer é um covarde, e todos aqueles que acreditam  na libertação sexual é ignorante - ou canalha, com motivações próprias de comer mais mulheres.

Como esquerdista (ou ao menos progressista), claro que não concordo com nada, ou quase nada disso, mas não posso deixar de voltar a respeitá-lo. Afinal, Pondé escreve tudo rigorosamente sob suas convicções filosóficas, as quais construiu com excelente destreza e invejosa intuitividade. Não pude deixar de ser simpático a muitas de suas ideias, como a de que o corpo é a origem do pensamento, mas também não posso deixar de criticar três elementos negativos que vi gritantemente em seu livro:

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1- Pondé basicamente trata da condição humana, colocando-a muito acima da condição social. Sou entusiasta dessa ideia, desde tempos antigos, sendo leitor assíduo de todo escritor e filósofo que busca entender a alma do homem. Mas me incomoda muito a exagerada assertividade - e falta de explicação - das afirmações do pensador sobre a tal condição humana, inclusive algumas muito perigosas, como uma das primeiras do livro: "é da natureza feminina desejar tudo que dói". Talvez eu mesmo peque pelo meu relativismo exacerbado, ou pela minha paixão pelo método, mas vejo uma grande distância entre você investigar a condição humana e você começar a listar inúmeras máximas sobre a mesma. Hélio Schwartsman, outro filósofo e colunista da Folha, lembrou há algumas semanas de diversos testes psicológicos já realizados que associam veemência a ignorância.

2- Pondé mais de uma vez critica a ciência "objetiva", deslegitimando-a como conhecimento ou mesmo informação - outro aspecto do seu pensamento ao qual também sou muito simpático. No entanto, também mais de uma o autor utiliza a mesma como um impreciso argumento de autoridade para suas afirmações. Transcrevo aqui duas passagens que evidenciam tal contradição:

"Faço filosofia sobre o que está entre as pernas das mulheres porque gosto de estar entre as pernas de mulheres, e não por alguma razão histórica defensável, apesar de que, como disse acima acerca da teoria evolucionária, acho possível sustentar minha máxima "o segredo do mundo se encontra entre as pernas das mulheres" com alguma cientificidade, apesar de desprezar esse tipo de fundamentação. Minha simpatia pelo darwinismo é antes de tudo devido ao seu caráter dramático, e não científico".
"A morte do pudor acaba por gerar o desinteresse pelas mulheres. Tema clássico em Nelson. Os jovens (que jovens? Eu?) são os que mais apresentam esse desinteresse na sua forma mais brutal, segundo nosso filósofo selvagem. De Nelson pra cá esse fato se tornou científico: as mulheres gemem sob a bota do desinteresse masculino por elas".

3- Pondé passa boa parte do tempo xingando os esquerdistas, em especial as feministas. Ok, sem problemas, se não houvesse entre as suas críticas mentiras sutis, ainda que cristalizadas no ideário popular. Transcrevo, talvez, a principal mentira:

"Sei que tudo isso é bobagem. O novo moralismo, filho da esquerda festiva, diz que, se você gosta de apanhar, é porque você é uma mulher machista. Antes a acusariam de pecadora, agora de reprimida e machista. A festiva virou o puritanismo secular de hoje. O feminismo é a nova forma de repressão da sexualidade feminina, e logo será de toda forma de sexualidade".

Não, isso não é verdade. A principal bandeira feminista é a autonomia da mulher para decidir o que fazer consigo mesma, inclusive se deixar apanhar. A mulher que apanha porque gosta é uma feminista nata, pois não submete seu desejo ao senso comum. Machismo é pressupor o que a mulher deve ou não gostar.

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Basicamente é isso. O que entendi principalmente de Pondé é que ele é um dramático. Sua intenção é mostrar "a vida como ela é", mas acaba mostrando "a vida como ela pode dramaticamente ser". Seu discurso é extremamente pessimista e cético, o que não deixa de ser legítimo e sedutor, principalmente nesses tempos estranhos. Além de tudo, seus ensaios são belamente escritos (ao contrário de suas colunas na Folha) e de uma genialidade ímpar. Com limitações, posso dizer que hoje gosto muito dele como pensador, apesar de não concordar com quase nada do seu pensamento.

sábado, 19 de abril de 2014

Sobre o mundo (e o Brasil)

Há quem diga que sou melancólico (me chamaram disso semana passada), mas a verdade é que talvez haja poucas pessoas tão otimistas sobre a vida quanto eu mesmo. A despeito de meu insistente relativismo, sem falar desse pensamento contemporâneo cretino, consigo ver diante do embaçado de minha míope visão um avanço, algo pelo qual consigo prever, mesmo que com inseguranças e ressalvas, um futuro menos tenebroso dos que aqueles proclamados aos quatro cantos.  

Talvez seja a anestesia, talvez a falta de informação. Mas de fato não consigo ver aonde estamos pior do que há dez anos atrás, e assim por diante.
A continuidade faz barulho. Rompe-se silenciosamente.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Fui Crime, Serei Poesia

Tais palavras foram escritas em tinta spray, sendo anonimamente pichadas em diversas superfícies ao longo de todo o Rio de Janeiro. A primeira vez que as vi, estavam marcadas em um muro de Copacabana, à frente de um ponto de ônibus na Francisco Sá. Não pude deixar de apreciar a mensagem, que claramente se remetia a uma auto redenção através da arte, uma ideia da qual sempre fui entusiasta.

Pouco tempo se passou e comecei a perceber a frase espalhada por toda cidade. Não parecia mais um manifesto individual, mas uma ação coletiva a fim de propagar uma bela mensagem. Foi voltando dos arredores da Ilha do Governador, no entanto, que li uma instigante pergunta, escrita sobre toda a extensão de um muro, cujo fundo amarelo dava apenas mais força às letras negras: "Você conhece Hélio Oiticica?"

Qual seria a relação entre uma coisa e outra? Hélio Oiticica, de fato, talvez tenha sido o mais importante artista plástico do Brasil, cujo trabalho é até hoje reconhecido internacionalmente. Sendo um dos pivôs do movimento Neoconcretista, Hélio pautou sua arte na quebra da abissal distância entre o expectador e o objeto, colocando o público como elemento ativo de seus projetos, com as mais diversas proposições, trajes, quaisquer ferramentas que pudessem interagir com aqueles que as observavam inicialmente.

O que Hélio Oiticica procurava com essa inversão tão profunda da dinâmica da arte até então? Seu intuito artístico parecia ser, talvez, um projeto de redenção de toda uma sociedade, que, através da interação com a arte, se libertaria de sua essência mais pobre e fraca, que a condena ao eterno retorno. Talvez o melhor exemplo dessa intenção tenha sido a proposta do artista plástico de utilização do samba como instrumento de libertação pessoal, pelo êxtase "suprassensorial" que este causava.

Com boa parte dos seus trabalhos desenvolvidos no bairro da Mangueira, Hélio Oiticica parecia principalmente procurar emergir o povo brasileiro de suas prisões coletivas e particulares para um novo horizonte de libertação através da interação com a arte, principalmente a arte marginal, ou seja, aquela fora do núcleo artística, envolto de demasiadas regras e formulações. Duas de suas frases mais conhecidas foram em relação a essa marginalidade:

"Hoje sou marginal ou marginal, marginal mesmo: à margem de tudo, o que me dá surpreendente liberdade de ação"

"Seja Marginal, Seja Herói"

Essa segunda ganhou ainda maior dramaticidade por ser constantemente associada à resistência da Ditadura no Brasil,  apesar de ser de um proposito maior, o heroísmo da própria libertação, da elevação pessoal a um patamar no qual o novo ganha seu próprio espaço.

Assim, pode-se relacionar a própria elevação pessoal defendida por Hélio Oiticica com a mensagem que hoje tanto se vê nos muros do Rio de Janeiro. A poesia redime toda e qualquer condição criminal do ser humano, libertando e elevando-o para um novo estado de marginalidade, no qual a arte se faz plena com a interação de seu propositor e expectador. O projeto de Hélio Oiticica, afinal, parece ganhar algum contorno sobre a nossa ainda triste realidade.




A vida é sofrimento

Essa seria a primeira das "quatro nobres verdades" do Budismo. Sua interpretação pode ser equivocada, se adotada uma perspectiva pessimista da mensagem. Seu significado revela cinco agregados do sofrimento relacionados à vida aos quais o ser humano se apega, fazendo-o sofrer.

O Dhamma, ou seja, a palavra de Buda, é uma orientação no sentido de o ser humano se livrar do sofrimento, por esse nos afastar da tal "felicidade estável".

Por que estou falando isso? Porque ao estudar o budismo, e assim sua inequívoca devoção à luta contra o sofrimento, surge-me a questão: é possível produzir arte sem esse sentimento?

Nietzsche, por exemplo, é um dos entusiastas da ideia de que o sofrimento é primordial à própria condição humana, dando sentindo e forma à existência. Por sinal, Nietzsche era um grande admirador da música, afirmando que sem ela não haveria motivos para viver. Por coincidência ou não, seu compositor favorito, e também seu grande amigo, era Wagner, um dos quais mais aprecio da música clássica (a qual, admito, nem tenho tanto entrosamento).

Há ainda um extenso número de filósofos e artistas que relacionam e pautam sua arte no próprio sofrimento. Goethe talvez seja o mais proeminente destes, escrevendo um livro tão intrinsecamente entrelaçado a esse sentimento - um verdadeiro capataz literário do pobre Werther - que inspirou toda uma geração de jovens germânicos ao suicídio. O próprio, no entanto, fez ressalvas ao observar o fenômeno, afirmando que enquanto escrevia acreditando refletir a vida, as pessoas o liam procurando mergulhar em tal reflexo.

Não foi só o Romantismo, obviamente, que bebeu da fonte do sofrimento. Mesmo quando a arte já tinha se desvincilhado em grande parte do cristianismo ocidental - que claramente cultua esse sentimento - os alemães caíram em profunda depressão com o Expressionismo, e a própria Arte Contemporânea nas suas primeiras décadas exibia um caráter pessimista e sôfrego da sensibilidade artística.

A História mostra que grande parte da arte ocidental sempre tangenciou o sofrimento humano. Portanto, renunciar ao mesmo talvez seja um caminho sem volta para a esterilização da capacidade artística, pelo menos no sentido que a entendemos. Será mais desejável uma humanidade que sofre e produz arte, ou uma humanidade feliz, mas artisticamente estéril?

sexta-feira, 28 de março de 2014

O potencial ausente de brilho

Saindo hoje das proximidades da Ilha do Governador em direção ao meu trabalho, na praia de Botafogo, acabei por atravessar uma grande região suburbana, adentrada principalmente por São Cristóvão e sua feira, o São Januário, as milhares de casinhas tão adensadas que quase entrelaçadas umas às outras. Passei pelos mais diversos botecos sujos, com seus bêbados matutinos, a contínua precariedade das instalações elétricas, viadutos a se transversar, tijolos e argamassa talvez tão expostos quanto às desinibidas moças, cuja cor escura contrastava com suas roupas tão claras quanto o céu acima delas.

Não sei por que, mas sentado no ônibus no qual me encontrava, percebi uma sutil, mas sólida síntese estética transpassando a janela, que me seduzia por um atrativo sentido de insignificação social, a coletivizar todos aqueles indivíduos em uma belíssima dinâmica sensual de pequenas e casuais brutalidades. Mas essas não se faziam pesadas, como vejo diariamente na Zona Sul, pois estava nítida ali a leveza do bruto, como se diamante ainda não lapidado, cuja beleza reside no potencial ausente de brilho.

Tenho certeza que seria feliz em uma pequena casa de uma daquelas tantas vilas, em meio a tantas outras residências, a me insignificar com tranquilidade, lendo, desenhando, pintando e compondo, no mais perfeito anonimato. Não precisaria de muito, não haveria necessidade de ostentar nada. Seria feliz a beber nos bares sempre cheios, como o Marujos, que bravamente mantém seu ar suburbano em meio à estética cosmopolita de Copacabana. Encontraria também a felicidade no ventre das mais desinibidas mulatas, cuja beleza pode ser percebida apenas despindo os olhos das ilusões frias da Zona Sul.

O bruto se faz belo no subúrbio pela sua própria insignificância social. O amor, talvez, se mostre em sua plenitude apenas quando longe dos nossos eternos conflitos de projeções.

sábado, 22 de março de 2014

Mensura-me

Mas como pudera eu medir o efêmero?

O que utilizo para mensurar o pouco que ficou?
Com que unidade se define a medida daquilo que, uma vez sólido, desmanchou-se no ar?

Poderia traçar uma reta diante das curvas pelas quais passamos, o sentido teria sido um só. A direção indefine-se pelo frágil estalo que o som de Guilherme provoca ao ser mencionado.

Afinal, nada é pouco quando a escassez se faz gigante.
O muito se faz, se fez por essa necessidade.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Algum dia creio ter sonhado qualquer coisa.
Depois, acabei por me perder em sonhos.
Hoje, meu medo é estar desaprendendo a sonhar.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Insensatez da infância

Há dois episódios que minha memória alcança de extrema insensibilidade e mesmo crueldade da minha parte para com outros. Por vezes é difícil digerir lembranças tão barbaramente impalatáveis, com um eu em tão torta construção naqueles dois momentos.

Ambos são de praticamente uma mesma época, algum lugar do tempo entre meus 10 e 12 anos - como se vê, nem tão infância assim, apesar de ainda predominante. Apesar da relutância em descrever tais atos, creio que seja hora de expô-los a fim de vomitá-los e, assim, expurgá-los de minha essência.

Trataram-se de episódios que culminaram em uma profunda análise de consciência, que me fizeram posteriormente divergir transversalmente do rumo que seguia meu ideário moral. Tais análises se fizeram imperativas pelas reações às minhas ações, que, pela coragem e humilhação, provocaram sentimentos de nojo e aversão própria dentro de mim.

Seria a "culpa da burguesia"? Talvez sim. Afinal, sou entusiasta da noção de que nossos maiores ideais não são determinados por uma construção racional própria, mas uma série de emoções que vivemos ao longo da vida que se misturam à nossa moral e formam uma visão singular de mundo. Não acredito que ideias se invalidem por partirem de uma culpa interna, ou qualquer outro sentimento moralista que seja. Creio, de fato, que esses sentimentos sejam pré requisitos para as ideias que defendemos.

Reluto ao expor os tais atos. Farei-o cruamente, de modo que não há de se esperar prazer e agradabilidade na leitura.

Ou não, talvez eu não esteja pronto para descrever os episódios. Desculpe, nenhuns leitores, não será dessa vez que me mostrarei cruelmente falho.

O que ficou de impalpável

Ah, lembro-me de como a perda sempre me foi apresentada como agressão, um assalto ao desejo, mas há salto nessa compreensão. A falta que ficou foi a parte mais insignificante de todo incongruente sentimento gerado pela intimidade arrancada de nossa uníssona presença. A beleza do caos se impôs sobre qualquer definição possível de sensação palpável, ao menos distinguível no mar revolto no qual me afoguei ao mergulhar para longe de ti.

Os sonhos gelados, talvez, de líquido torpor foram a principal marca de nossa confusa apartação, cujos insistentemente calorosos suores se impuseram como reflexo físico de um nunca tranquilo sono. O alvorecer se fez úmido, mas a noite é sempre fria.


Desculpe a demora, pois tardei em adormecer. 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Desgosto

Desgosto de poucas pessoas. Desgosto de certos discursos.

Desgosto daqueles que não valorizam a vida, de quem quer que seja. Desgosto de discursos de condicionamento da dignidade humana.

Desgosto daqueles que não não vêem importância na cultura. Desgosto de discursos que a utilizam como distinção social.

Desgosto de qualquer discurso que coloque um ser humano como superior ou mais digno da felicidade e do conforto que outro. Suspeito da ideia de meritocracia, que embasa tantos desses discursos.

Desgosto de qualquer discurso que legitime a morte, seja de burgueses, vândalos, aristocratas ou golpistas. A subjetividade humana deve ser preservada acima de qualquer valor ou ideal. Suspeito da ideia de coletivismo, que embasa tantos desses discursos.

Mas, afinal, depois de tantos d's, devo dizer que amo toda e qualquer sociedade em sua complexidade, seja ela injusta ou perversa. A mudança é endógena, sempre.

Apesar de alguns desgostos, amo descobrir tudo que todo ser humano ama e por quê. O amor é o que destrói qualquer maniqueísmo, qualquer impulso contra a subjetividade. O amor é o que converge a humanidade, social e espiritualmente.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Letras amargas

Diante da fria indiferença pelas letras que um dia escrevi no ar para só você ouvir, decidi dar cabo a toda sensação provocada pela sua lembrança, levando a mim mesma o maior dos dizeres surdos já sentidos em grama rasa por você.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Margem de insignificância

Foste muito pelo pouco sobre o qual se colocara. Nada pelo indefinido escurecer, que se ilumina inteiro com o menor ponto de luz. 

Descobri o quão profundo é o abismo da solidão quando me vi mais unida a você. Foi com sua presença dentro de mim que passei a temer o permanente vazio. 

Sua existência insignificou meu ser.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Pedaços guardados

A saudade acata (ataca) de tempos em tempos, de sorte que a nostalgia se instala, derramada sobre meu corpo que você tão apreciadamente beijava. Encontrei-me ao largo pesado de uma inexistência fria, gestada na ausência de seus lábios, nascida em doloroso e barulhento parto.

Mas não parto, me parto em pedaços para não me apartar da sua fragmentada lembrança, já embaçada por tantas lágrimas nas quais mergulharam meus olhos, minha boca, meu rosto. Sou e ainda serei parte de tudo aquilo que você foi para mim, enxugada de uma gorda inexpressão, mas ainda encontrando um canto nessa apertada existência de duas inconstantes presenças.

Perdão pelas incongruentes rimas que por ventura aparecem, teimosas em se fazerem notadas, como se urgissem por serem incômodo, apenas para saberem que ali se encontram. Nada posso fazer contra tamanha ânsia de ser.

Ainda hei de rabiscar mais para dar vazão à saudade, mas hoje já não escreverei mais, creio ter me esgotado a força para continuar remontando os pedaços que guardei de ti.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Seguindo em frente

Percebo, por vezes, que tenho esse vício, essa fobia de qualquer retrocesso que seja, mesmo que a fim de avançar posteriormente. Sinto-me em eterna marcha forçada para qualquer direção indefinida, sem opção de rever meus passos, refazer meu caminho já trilhado. Mesmo olhar para trás se faz inconveniente, como se flerte com os já cometidos erros, ansiando por serem revisitados.

Sigo sempre em um incongruente sentido à frente de mim, mesmo que com curvas e despenhadeiros, novas pedras, novos erros.

Meu medo é apenas estar andando em círculos.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Completude

Sinto falta das uvas em sua parede branca, a me lembrar dos vinhos que tomamos por vezes. Embriagávamos nossos corpos, a exemplo de nossas almas, já totalmente embevecidas pelo desejo.

Sinto falta de andar descalço pela sua casa, esbarrando no seu pé sem querer, pegando na sua mão em seguida. Fixávamos o olhar e nos encostávamos por inteiro.

Me perco em meu pensamento ao sentir volta e meia sua pele na minha. Ao ver que todos nós procuramos alguém para nos completar, sei que a confusão do inteiro pela parte se faz completa quando meu pensamento pousa insistentemente nessas lembranças.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O mundo é vasto...

... e o desejo é sem fim,
                       sem mim.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Lugares e Espaços

Foi pouco o esforço que fiz para perceber qual seria esse "meu lugar", já pronto para mim desde que me (des)entendo por mim mesma. O inalcançável não é, afinal, o "onde", mas o "porque" estaria já eu predestinada a ocupação desse espaço, determinado a mim de forma incongruente, percebido de maneira errática.

É espaço sem vazio, lugar sem localização.

A vida inteira vi hordas de nervosas pernas a tentar se fixar, como se seus portadores procurassem a si mesmos, sem nunca se encontrar. Sempre me pareceu muito claro seus lugares, assim como sei que todos sabem muito bem o lugar de seus próximos, em uma eterna demarcação impositiva, sem, no entanto, definir espaços próprios.

Uma perfeita esquizofrenia espacial.

A dificuldade é ousar rompimento, mesmo que breve, sobre todo esse rígido tecido que nos prende a nós mesmos.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Inspiração Sui Generis

Não sei quando perdi aquilo que, por desconhecer, afastei no primeiro instante, como se ameaça benquista, quiçá bem vinda, da qual por todo minha vida me privei.

Acabei por reencontrá-la em um sonho distante, embaçado por vezes, que me fazia lembrar da tímida luz que a Lua discretamente traz à madrugada fria.

Por generosidade, recebi-a de novo em meus braços e, por vontade, agarrei-a para nunca mais deixá-la escapar outra vez.

Olhei para o céu e a vi. A noite pairava acima de mim, tomada pelas mais belas estrelas, intercalada por diversas constelações e galáxias, chamando-me eternamente ao seu encontro, para mergulhar em sua imensidão indefinida, sem volta garantida.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Sensações esparsas podem nos levar aos mais diversos pensamentos

A vida nos sonha, mas não nos escolhe.
Por fim, acolhe-nos em seu idoso ventre,
nutre os filhos com seus sonhos de mais filhos
a fim de ser rejuvenescida pelo amor de sua prole

Réquiem por muitos sonhos

A mulher é um ser intraconectivo. O homem é um ser extraprospectivo.

A interação dual de ambos gera o que chamamos de energia e, por vezes, vida.

Adentrando o espaço vazio que há em ti

Sonhei com a solidão da alma, vastidão habitando vazio, preenchendo espaços que se abrem para não ser.
Perco-me na roupa larga, vestida como se apertada, pois não há nada naquele que se cobre sem saber.
Viajo em passo rápido, preso (pressa) ao passado, sem conseguir sair desse mesmo primeiro lugar.

Somos muito mais do que aquilo que percebemos.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Ausência

Hoje eu te vi nua num quadro surrealista. Talvez fosse sonho, com sua nostálgica tortura de me fazer pensar em seu corpo ausente, em meio a cenário marinho diverso, com uma garrafa de vinho branco ao lado.

Sua nudez sempre foi surreal para mim, por vezes intocável, como se sacrilégio sagrado, um símbolo de um ideal inalcançável, uma vida a léguas de distância daquela para a qual trilhava.  Pergunto-me, por vezes, como teria sido minha existência sem conhecimento da sua, talvez com tão mais serenidade, mas sem dúvida com um vácuo, esse a ser preenchido por todos aqueles sonhos difusos, cujo embaçado não me permitia vislumbrar de fato.

Sua benção e maldição foi me pôr a enxergar aquilo que eu queria para mim. Hoje já não posso me satisfazer sabendo meu desejo. E meu desejo é você.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Luz que ofusca

Nunca consegui compreender exatamente o que seria essa ideia de razão. Foi-me sempre apresentada como um conceito objetivo e - surpreendentemente - externo ao homem, como se a natureza já se utilizasse dela muito antes de nossa percepção, o que sempre me pareceu, em algum grau, uma loucura. Conforme fui me acostumando com ideia, pude perceber algumas incongruências quase dogmáticas nessa abstração que, supostamente, libertaria o homem da selvageria e o iluminaria em direção ao... Ao quê? Alguns dizem que é ao desenvolvimento. Do quê? Da racionalidade, talvez. Olha só, entramos em um argumento circular.

A verdade é que, através do mito da razão, criaram-se diversos paradigmas e ilusões de superioridade que estão já há muito arraigados na sociedade. A arte - sempre ela - é a principal vítima dessa ideia. Com o artifício da razão, a arte é criticada, lapidada e até descreditada por aqueles cuja lógica racional é a única possível. Subjugando a subjetividade humana, cria-se a (suposta) possibilidade de racionalmente julgar e medir a qualidade artística de uma obra, como se o sentimento passado fosse mero detalhe.

Ora, como se a própria utilização da razão não fosse fruto de um sentimento! Apesar de muitos crerem religiosamente que são racionais por ser esse o modus operandi natural-ideal do ser humano, é impossível negar que é por um sentimento de satisfação pessoal e (sim!) subjetivo que utilizamos esse artifício cheio de regras próprias e formuladas pelo próprio homem.

Acabou que nossas próprias relações pessoais hoje são totalmente permeadas por essa ideia abstrata, cuja regra é a geração de um conflito, por entender a verdade como única e racionalmente alcançável. Quão mais se utiliza a razão, mais impossibilitados se tornam os consensos. É impossível negar avanços, como a supressão das coerções pessoais (no nível ideal), mas é pela desvalorização da subjetividade humana natural que cavamos nossas próprias tumbas ao suicídio artístico-pessoal, criando uma massa fadada à pior das previsibilidades: a cultural.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O descanso do céu

A chuva cai como se cada gota fosse um peso próprio do (m)ar, que arremata sobre a pele a mais vertical fluidez. O céu não parece chorar, mas se derramar sobre mim, como se, exausto, impusesse seu pesado descanso sobre meu corpo frágil. A frieza de cada pedaço do céu (do seu) não gela, mas aquece cada canto de minha existência, sentindo o peso deste sono derramado de beijos ao qual não pude nem quis fugir.

Banho-me sob esse respaldo único para sentir esses longos e gelados lábios sobre a minha pele, que já desconheço para além da sensação. Se da leveza podemos nos sentir livres, é pelo peso que podemos verdadeiramente nos libertar, nos libertar de nosso próprio ser. A destruição da ilusão é substituída pela fusão total das existências mais diversas, água e ar, chuva e corpo, frio e calor.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Manifesto da razoável loucura de acordar cedo todo dia

Ao contrário do senso, todo início de ano eu enlouqueço.  

A construção de um futuro a prazo, instituindo novo calango, antigo ideário, toda essa ideia velha com ares de novidade, a fim de tombar de vez com a sanidade, mais uma vez revisitando as cercas embandeiradas que separam o ciclo, tomando o inteiro como parte, o tempo como linha, só o Batman salva. 

La película de mi vida

Entre tantos desejos esparsos e sonhos diversos, ensaio um andar torto sobre qualquer caminho apagado que algum dia vislumbrei na imensidão.

Esses são dias desleais.  

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

2014 - 21 anos

Lá se vai 2013 e, em breve, lá se irão minhas duas décadas de vida. A idade é sempre a pior das lembranças de que você já não tem mais tempo para perder.

Muito tempo se foi, e muito aconteceu de lá pra cá. 2013 foi o ano em que pela primeira vez trabalhei do início ao fim, o primeiro no qual verdadeiramente me apaixonei, mas, mais importante do que tudo, foi o primeiro no qual eu percebi de fato quem eu quero ser.

Não há conclusões possíveis para esse texto.
O tempo só se conclui quando se esgota, não há circularidade na existência.

(desculpem-me, nenhuns leitores, pela quebra repentina do discurso, creio ser reflexo do meu humor de hoje, afetado pelo engarrafamento que peguei na Barra)
Do ar denso que sopra por teu corpo extenso, sinto o peso do teu toque, da tua boca e do teu cheiro.
Sua pele úmida de desejo, que acende sobre mim a vontade de querê-lo.
Quero tudo que vejo, e mais aquilo que percebo.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Ditadura da Beleza - Posição e Oposição

Discorro novamente sobre esse tema, tendo em vista que conheci outras opiniões e refleti mais sobre o assunto.

A ditadura da beleza é, primeiramente, uma expressão adotada recentemente por "progressistas" e "esquerdistas", que afirmam que o padrão estético, criado e reforçado pelos meios audiovisuais, é uma ferramenta de opressão a todos aqueles à margem do ideal exposto. O belo teria, portanto, a função de excluir todos aqueles que não visam a reprodução do padrão imposto.

Segundo tais ideias, relativismo estético seria o único caminho à inclusão social de todo e qualquer grupo estético (seja na aparência, na moda ou mesmo na arte). Enxergando beleza em todos os traços da imagem, todos podem ser atingir tal ideal.

Daí surge a oposição dos "conservadores" e "direitistas", que, contrariamente às suas ideologias liberais e individualistas (nada contra!), afirmam que o relativismo da beleza é uma ferramenta de subversão à ordem, podendo acarretar na falência moral da sociedade. Com o fim do ideal de beleza, são plantadas as primeiras sementes da destruição do que era anteriormente considerado - e, assim, de fato - belo.

O que eu não compreendo é como podem deixar de lado a questão da objetividade/subjetividade da beleza, podendo esse ser o ponto de convergência entre os dois lados. Afinal, a essencial não é "ver beleza em tudo", mas compreender a beleza como um fenômeno passivo e subjetivo, dando total liberdade aos indivíduos de formarem seus próprios padrões estéticos. Com isso, toda e qualquer iniciativa em prol da relativização da beleza não se torna subversivo, mas apenas uma expressão individual do conceito do "belo".

Há pouca margem, nesse sentido, de oposição entre qualquer ideologia acerca dessa ideia, talvez apenas na divergência do esquerdismo da abordagem individualista. Ainda assim, acredito que os mais ferrenhos debates contra ou a favor do fim (ou da própria ideia) da ditadura da beleza provêm unicamente da necessidade dos grupos políticos antagônicos de criarem uma nova maneira de divergirem. Cada vez mais, penso, as pessoas desejam se afastar do consenso, temendo se juntarem a seus opositores.

Talvez eu escreva posteriormente sobre essa tendência...

O segundo adiante

Cada segundo pelo qual despercebida passa minha existência, indago se não estaria eu a desdenhar da preciosidade do escasso tempo que disponho.

Em duas décadas, minhas conquistas avançaram em passo vagaroso, enquanto meus sonhos e desejos se expandiram em luminosa velocidade, sem respeito pelas sinalizações de tropeços à frente, com risco de queda e fratura.

Arrisco-me a dizer que não seria eu sem tal ansiedade, sem esses acúmulos de desejos, de vontades, e então, conquanto possa pensar em andar mais rápido que permitem minhas pernas, minha existência permanecerá ativa e fluida.

O segundo adiante é, portanto, meu senhor e meu algoz, aquele que me permite continuar, mas me assola com os mais perturbadores sentimentos. O passo a seguir precisa sempre ser maior do que o anterior, a velocidade agora precisa sempre ser maior do que a de outrora.

Afinal, o horizonte é logo ali.