terça-feira, 22 de abril de 2014

Sobre Pondé

Diante de um texto que destruíra meu respeito intelectual por Luiz Felipe Pondé, o último articulista da direita que considerava honesto, resolvi me enveredar no seu pensamento e ler seu último livro: "A filosofia da adúltera - Ensaios Selvagens", a fim de compreender suas afirmações. De fato, além de um estilo textual que muito apreciei, pude entender, a partir da explicação de sua tradição intelectual e motivações, muito de sua filosofia, até na sua última coluna do jornal 'Folha de São Paulo', na qual afirma que a esquerda se proliferou necessariamente porque consegue comer mais mulheres, e a direita tem que ser festiva para fazer o mesmo.

Pondé basicamente entende o corpo como 1- objeto de tédio e 2- origem do pensamento (o seu corpo determina suas convicções, ideias e mesmo sua forma de pensar). Em uma leitura extremamente nietzschiana, o filósofo vê o sofrimento como engrandecedor, sem o qual apodreceríamos entediados. Assim, todo homem que faz de tudo para não sofrer é um covarde, e todos aqueles que acreditam  na libertação sexual é ignorante - ou canalha, com motivações próprias de comer mais mulheres.

Como esquerdista (ou ao menos progressista), claro que não concordo com nada, ou quase nada disso, mas não posso deixar de voltar a respeitá-lo. Afinal, Pondé escreve tudo rigorosamente sob suas convicções filosóficas, as quais construiu com excelente destreza e invejosa intuitividade. Não pude deixar de ser simpático a muitas de suas ideias, como a de que o corpo é a origem do pensamento, mas também não posso deixar de criticar três elementos negativos que vi gritantemente em seu livro:

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1- Pondé basicamente trata da condição humana, colocando-a muito acima da condição social. Sou entusiasta dessa ideia, desde tempos antigos, sendo leitor assíduo de todo escritor e filósofo que busca entender a alma do homem. Mas me incomoda muito a exagerada assertividade - e falta de explicação - das afirmações do pensador sobre a tal condição humana, inclusive algumas muito perigosas, como uma das primeiras do livro: "é da natureza feminina desejar tudo que dói". Talvez eu mesmo peque pelo meu relativismo exacerbado, ou pela minha paixão pelo método, mas vejo uma grande distância entre você investigar a condição humana e você começar a listar inúmeras máximas sobre a mesma. Hélio Schwartsman, outro filósofo e colunista da Folha, lembrou há algumas semanas de diversos testes psicológicos já realizados que associam veemência a ignorância.

2- Pondé mais de uma vez critica a ciência "objetiva", deslegitimando-a como conhecimento ou mesmo informação - outro aspecto do seu pensamento ao qual também sou muito simpático. No entanto, também mais de uma o autor utiliza a mesma como um impreciso argumento de autoridade para suas afirmações. Transcrevo aqui duas passagens que evidenciam tal contradição:

"Faço filosofia sobre o que está entre as pernas das mulheres porque gosto de estar entre as pernas de mulheres, e não por alguma razão histórica defensável, apesar de que, como disse acima acerca da teoria evolucionária, acho possível sustentar minha máxima "o segredo do mundo se encontra entre as pernas das mulheres" com alguma cientificidade, apesar de desprezar esse tipo de fundamentação. Minha simpatia pelo darwinismo é antes de tudo devido ao seu caráter dramático, e não científico".
"A morte do pudor acaba por gerar o desinteresse pelas mulheres. Tema clássico em Nelson. Os jovens (que jovens? Eu?) são os que mais apresentam esse desinteresse na sua forma mais brutal, segundo nosso filósofo selvagem. De Nelson pra cá esse fato se tornou científico: as mulheres gemem sob a bota do desinteresse masculino por elas".

3- Pondé passa boa parte do tempo xingando os esquerdistas, em especial as feministas. Ok, sem problemas, se não houvesse entre as suas críticas mentiras sutis, ainda que cristalizadas no ideário popular. Transcrevo, talvez, a principal mentira:

"Sei que tudo isso é bobagem. O novo moralismo, filho da esquerda festiva, diz que, se você gosta de apanhar, é porque você é uma mulher machista. Antes a acusariam de pecadora, agora de reprimida e machista. A festiva virou o puritanismo secular de hoje. O feminismo é a nova forma de repressão da sexualidade feminina, e logo será de toda forma de sexualidade".

Não, isso não é verdade. A principal bandeira feminista é a autonomia da mulher para decidir o que fazer consigo mesma, inclusive se deixar apanhar. A mulher que apanha porque gosta é uma feminista nata, pois não submete seu desejo ao senso comum. Machismo é pressupor o que a mulher deve ou não gostar.

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Basicamente é isso. O que entendi principalmente de Pondé é que ele é um dramático. Sua intenção é mostrar "a vida como ela é", mas acaba mostrando "a vida como ela pode dramaticamente ser". Seu discurso é extremamente pessimista e cético, o que não deixa de ser legítimo e sedutor, principalmente nesses tempos estranhos. Além de tudo, seus ensaios são belamente escritos (ao contrário de suas colunas na Folha) e de uma genialidade ímpar. Com limitações, posso dizer que hoje gosto muito dele como pensador, apesar de não concordar com quase nada do seu pensamento.

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