segunda-feira, 7 de abril de 2014

Fui Crime, Serei Poesia

Tais palavras foram escritas em tinta spray, sendo anonimamente pichadas em diversas superfícies ao longo de todo o Rio de Janeiro. A primeira vez que as vi, estavam marcadas em um muro de Copacabana, à frente de um ponto de ônibus na Francisco Sá. Não pude deixar de apreciar a mensagem, que claramente se remetia a uma auto redenção através da arte, uma ideia da qual sempre fui entusiasta.

Pouco tempo se passou e comecei a perceber a frase espalhada por toda cidade. Não parecia mais um manifesto individual, mas uma ação coletiva a fim de propagar uma bela mensagem. Foi voltando dos arredores da Ilha do Governador, no entanto, que li uma instigante pergunta, escrita sobre toda a extensão de um muro, cujo fundo amarelo dava apenas mais força às letras negras: "Você conhece Hélio Oiticica?"

Qual seria a relação entre uma coisa e outra? Hélio Oiticica, de fato, talvez tenha sido o mais importante artista plástico do Brasil, cujo trabalho é até hoje reconhecido internacionalmente. Sendo um dos pivôs do movimento Neoconcretista, Hélio pautou sua arte na quebra da abissal distância entre o expectador e o objeto, colocando o público como elemento ativo de seus projetos, com as mais diversas proposições, trajes, quaisquer ferramentas que pudessem interagir com aqueles que as observavam inicialmente.

O que Hélio Oiticica procurava com essa inversão tão profunda da dinâmica da arte até então? Seu intuito artístico parecia ser, talvez, um projeto de redenção de toda uma sociedade, que, através da interação com a arte, se libertaria de sua essência mais pobre e fraca, que a condena ao eterno retorno. Talvez o melhor exemplo dessa intenção tenha sido a proposta do artista plástico de utilização do samba como instrumento de libertação pessoal, pelo êxtase "suprassensorial" que este causava.

Com boa parte dos seus trabalhos desenvolvidos no bairro da Mangueira, Hélio Oiticica parecia principalmente procurar emergir o povo brasileiro de suas prisões coletivas e particulares para um novo horizonte de libertação através da interação com a arte, principalmente a arte marginal, ou seja, aquela fora do núcleo artística, envolto de demasiadas regras e formulações. Duas de suas frases mais conhecidas foram em relação a essa marginalidade:

"Hoje sou marginal ou marginal, marginal mesmo: à margem de tudo, o que me dá surpreendente liberdade de ação"

"Seja Marginal, Seja Herói"

Essa segunda ganhou ainda maior dramaticidade por ser constantemente associada à resistência da Ditadura no Brasil,  apesar de ser de um proposito maior, o heroísmo da própria libertação, da elevação pessoal a um patamar no qual o novo ganha seu próprio espaço.

Assim, pode-se relacionar a própria elevação pessoal defendida por Hélio Oiticica com a mensagem que hoje tanto se vê nos muros do Rio de Janeiro. A poesia redime toda e qualquer condição criminal do ser humano, libertando e elevando-o para um novo estado de marginalidade, no qual a arte se faz plena com a interação de seu propositor e expectador. O projeto de Hélio Oiticica, afinal, parece ganhar algum contorno sobre a nossa ainda triste realidade.




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