terça-feira, 22 de abril de 2014

Recalque por uma nota ruim

Sou chato. Para piorar, minha chatice hoje não está nem mais velada sob o véu da subjetividade, mas é objetivamente mensurada, através do aplicativo "Lulu", que, no atributo "Humor", avaliou-me com uma média de 6,5, de longe meu pior score nesse teste. Por que isso, afinal, se não sou carrancudo, ou mesmo mal humorado de fato? Acredito, na verdade, que essa nota tenha se dado muito por um péssimo hábito meu, que fui adquirindo rapidamente ao longo da vida, de simplesmente pensar demais sobre qualquer situação, em qualquer momento.

Não sei realmente a que isso se deveu. Realmente, não há no meu histórico familiar aspirantes a pensadores de qualquer coisa. Nunca tive amigos importantes até meus dez anos, e nem aqueles que começaram a importar para mim tinham qualquer propensão à intelectualidade. Mas a verdade é que hoje estou treinado em captar relações, dissecar formalismos, buscar padrões em praticamente tudo que experimento à minha volta. Ouço uma música sempre tentando compreender sua estrutura rítmica e harmônica, procurando proximidades com outros compositores (sou mestre em identificar melodias semelhantes). Vai além, assisto um filme hollywoodiano antecipando seu clímax e final, vejo uma pintura já buscando sua forma, mensurando seu grau de planaridade, etc...

Fosse apenas isso, não restaria problemática alguma, pois há quem aguente e - pasmem - goste dessa minha chatice. A questão é justamente que a causa da mesma, meu overthinking, me atrapalha profundamente em desenvolver algo que me é muito precioso: minha sensibilidade. Entendam, nenhuns leitores, isso não quer dizer que não sinto nada, mas que não consigo identificar, sintetizar ou compreender meus sentimentos. E isso se tornou um grande problema a partir do momento em que eu comecei a me envolver emocionalmente com a arte, pois esta, apesar de poder ser pensada no ex post, se origina única e exclusivamente de sensações e sentimentos, que são canalizados através da força interpretativa do artista.

Isso quer dizer que pensar atrapalha a sensibilidade? Não sei exatamente, mas quando imagino as duas coisas juntas é como se a primeira fosse a conversa entre muitas pessoas espremidas no elevador, e a segunda fosse a melodia que toca ao fundo. É preciso que se converse mais baixo para perceber que algo está tocando, e é necessário estar em silêncio para se apreciar totalmente a música. O que essa analogia significa é que os sentimentos, mesmo quando se manifestam explosivamente, são sutis e cheios de detalhes próprios, nunca poderão ser identificados quando os ruídos do pensamento se fazem muito volumosos.

Como escapar dessa quina de sinuca e fazer arte? Mas é claro, mergulhando no formalismo. Explico: conforme fui me interessando em fazer músicas de verdade (ou seja, para além daquelas que compunha até os dezoito anos, de maneira extremamente caótica e randômica), fui percebendo que me faltava um certo conforto comigo mesmo em experimentar qualquer coisa para além daquilo que já conhecia. Minha solução, então, foi conhecer absolutamente tudo que o tempo me permitisse, indo de Phillip Glass a Shawlin e, assim, estender ao máximo minha gama de possibilidades musicais.

A consequência de tal escolha se mostrou clara no limiar dos meus 20 anos, no qual compus cinco músicas pensando: vou fazer algo que Steve Reich faria se encontrasse com a Björk. O resultado foi um EP, nomeado (quase ironicamente) de 'Fluxo de Inconsciência', que teve uma boa repercussão entre meus amigos, até por dois pianistas cujo trabalho eu muito aprecio. Mas, apesar de toda crítica greenberguianamente positiva possível ali, senti naquelas músicas que faltava muito algo de meu.

Esse problema se estende a todo tipo de arte que tento produzir. Quando escrevo, penso: vou fazer algo que Clarice Lispector faria, ou talvez Graciliano Ramos, quem sabe Agualusa. O único que escapa desse genocídio literário é Mia Couto, cujo pedestal no qual o coloquei é muito alto para eu pensar em alcançar. Nas artes visuais ainda não sou bom o suficiente para pensar em forma de desenho, mas quando o for, tenho certeza que pensarei antes de qual tradição vou tomar as linhas, cores, etc...

Estou, atualmente, treinando o máximo possível para silenciar gradualmente meus pensamentos. Tenho flertado com as ideias de fazer uma meditação, yoga, algo que, para eu realizar, precise de total vazio mental. Talvez, então, consiga aprender a identificar meus sentimentos e parar de dizer por que razão objetiva eu gostei de tal obra de arte. Parece-me menos chato. Quem sabe, assim, não possa melhorar minha nota no "Lulu"?

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