quarta-feira, 9 de julho de 2014

Divagações e reflexões

Acabo de ler um texto do filósofo Ghiraldelli sobre reflexões próprias da nossa sociedade. Há três pontos com os quais poderia resumir sua visão, muito convergente com a minha (apesar de não totalmente):

1- Talvez o ponto mais óbvio e ao mesmo tempo relevante: estamos sem inimigos. Não há mais o comunismo, a ditadura, o terrorismo ou o imperialismo para derrotar. Nossa sociedade se vê não como homogênea, mas como uma soma de indivíduos, limitando inimizades e conflitos apenas ao plano pessoal. Não odiamos os comunistas, mas odiamos o vizinho barulhento. Não queremos derrubar a ditadura, mas o pai autoritário. No máximo, os inimigos se deslocam para o plano abstrato: são as gorduras trans, o cigarro, o Sol do meio dia ou, quem sabe, o machismo. Sem inimigos reais, temos agora é que "vencer na vida".

2- Somos a sociedade do divertimento: será? Segundo Ghiraldelli, sem inimigos, somos obrigados a nos sentir alegres o tempo todo, pois é a vida agora que tem que ser vencida, e a felicidade é o prêmio final. Com isso, comediantes se transformam nos novos pop stars/gurus do cotidiano. Pode ser, mas creio que esse movimento seja recente demais para postulá-lo como definitivo. É possível que seja apenas um refluxo de contradição ao espírito depressivo dos anos 2000, tão bem traduzido pela música emo.

3- Somos uma sociedade de especialistas. Calma, vai além do mercado de trabalho: hoje há um manual de instruções para tudo que precisamos, e com a ajuda de especialistas podemos aprender em cem páginas a enriquecer, namorar, comer, meditar, até passar pela adolescência. A experiência subjetiva e a reflexão se perdem em meio a tantos passo-a-passos do que é preciso para "vencer na vida", para não ser um derrotado.

Tudo isso, ao meu ver, está bastante correto, no entanto, me parece faltar ao filósofo (não apenas ele) uma capacidade de síntese da sociedade contemporânea. Há um elo ligador entre todas essas características e particularidades, que é a morte das identidades externas, como já defendi anteriormente. Não há mais inimigos porque ninguém mais se vê como comunista, militarista, terrorista ou imperialista. Religiões, vanguardas e ideologias, nada mais disso serve de identidade ao homem contemporâneo, que não quer limitar suas ações ou opiniões a uma estrutura definida de visão de mundo.

A identidade, com o prefixo idem (igual), é um conceito de coletividade, a fim de um indivíduo ver o outro como igual a si. Mas a modernidade é líquida, como já dizia Bauman, e essa liquidez só pode se formar como tal enquanto o indivíduo se ver apenas como si próprio. Não basta ser singular ou único, é preciso ser um universo semântico fechado em si mesmo.

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