quarta-feira, 27 de abril de 2011

Trecho de alguma coisa

(isso não é mais uma de minha divagações, é apenas um trecho de qualquer coisa que eu resolvi escrever)

Meu pai está doente. Desde que voltou da cidade, há mais de um ano, piora a cada diz que passa. Nesse último mês, parece que sua doença comeceu a atacá-lo de verdade. Ainda come porque o obrigo, mas mesmo assim teima em emagrecer mais e mais, como se seu corpo recusasse a comida que está recebendo. Está fraco, cansado, mesmo quando passa horas sobre sua cama, trancado no quarto, sofrendo em segredo.

Quando perguntei o que lhe tinha feito tão mal na cidade, resmungou algo e esquivou-se de mim. Insisti na pergunta, fazendo-o suspirar alto e responder:

- A própria cidade me fez esse mal, minha filha. A cidade me adoeceu.

Depois de dizer isso, vomitou sobre o chão árido desta terra, que recebeu de bom grado aquilo que deveria alimentar meu pai. Ao acudi-lo, senti sua pele arder como o sol e não consegui sustentar seu corpo, que caiu na leveza de uma pluma.

Acho que o ódio de meu pai pela cidade se tornou tamanha que ele resolveu por teimosia se tornar apenas um com essa terra e, assim, nunca mais ter que sair daqui. Essa transição, porém, parece ser mais do que ele consegue aguentar.

Sua doença, no entanto, a mim foi oportuna. Enquanto meu pai passa seus dias trancado em seu quarto, tenho mais tempo para sair de casa e mergulhar no rio onde tanto nos encontramos. Tornou-se rotina tirar a roupa e ficar a me observar nua no reflexo da água. Procuro nessa imagem o que fazia seus olhos brilharem e seu sorriso abrir. Acho que, nua, você via-me despida de qualquer cobertura corpórea, encontrando a alma desse deserto.

Antes de te encontar, nunca foi do meu gosto me observar despida. Acho que nem meu pai chegou um dia a me ver sem roupas e, se o tiver feito, tenho certeza que fez contrariado. Mas, ao te ver admirar meu corpo com tanto ardor, procuro hoje encontrar nele o que você achou com tanta facilidade, aquilo que tanto o fascinou.

Meu Deus, como sinto sua falta...

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