sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Parte do conto "Estranho Amor"

Silencioso e imóvel era aquele amor. Estranho, mas forte.
O garoto esperava impacientemente pelo elevador. Olhou o relógio, que, quase malignamente, mostrou com seus ponteiros a hora: seis e quarenta e dois da manhã. Atrasado. Mais uma vez.
Por que tinha comprado um relógio analógico? Lembrou de alguns de seus amigos, que tinham um relógio digital. Mais prático, simples. Aquele, além de extremamente difícil de distinguir os ponteiros, fazia um barulho insuportável. Não do tipo que se ouve enquanto conversa, mas que, quando se espera por algo, mostra-se constante e insuportável.
Naquele momento, enquanto o garoto esperava pelo elevador, o ponteiro dos segundos movia-se com maldita precisão, acusando cruelmente o atraso. Um, dois, atrasado, um, dois, atrasado. Tinha que comprar um relógio digital, sim, compraria um. Não aguentava mais ouvir aquele barulho. Um, dois, chega!
Apertou mais uma vez o botão de chamada. Finalmente os números do painel começaram a subir. Alívio, embora parcial. Os segundos ainda passavam no ponteiro. Um, dois, atrasado, um dois, atrasado. Quase em conformidade, os andares pelos quais o elevador passava corriam. Um, dois, está chegando. Por que era obrigado a morar em um andar tão alto? Os pais, infelizmente, tinham paixão por alturas, refletindo inclusive no lugar onde viviam. Se não fosse assim, poderia pegar as escadas, mas, devido à verdadeira situação, o ato seria praticamente insano. Era imprescindível que, assim que morasse sozinho, escolhesse um prédio pequeno, para, em casos de emergência, pudesse descer rapidamente os degraus dos fundos. Três andares deveria ter o prédio, quatro no máximo, e apenas se o primeiro fosse o térreo. Caso contrário, procuraria outra moradia.
Agora não faltava muito. O elevador não era lento, pelo que o garoto era grato. O atraso ainda podia ser vencido. E, assim fosse, logo compraria um relógio digital, extinguiria aquele barulho. Um, dois, chega!
Porém, surpresa, os números do painel não pararam naquele andar, mas continuaram subindo. Alguém que morava acima tinha apertado também o botão de chamada. Maldito! Desrespeitoso era aquele ato, mesquinho e cruel. Por que tinha que chamar o elevador quando outro, no andar abaixo, esperava por ele tão ansiosamente? Ah, mas o sujeito pouco se importava com a situação do vizinho. Era um balofo, provavelmente, um balofo cuja vida tanto lhe frustrara que sentia a necessidade de piorar o atraso de terceiros. Só poderia ser assim, nunca diferente. E o ponteiro continua a se mover. Um, dois, atrasado, um, dois, atrasado. Balofo egocêntrico.
E o elevador começou a descer. Sabia que, quando a porta se abrisse, veria aquelas bochechas gordas alargadas pelo sorriso, cheio de malícia. Mas revidaria. Seu olhar seria tão penetrante que os olhos arrogantes do balofo seriam atingidos e, em poucos instantes, se esquivariam. A briga estaria vencida, e o garoto sairia triunfante. Tinha de preparar-se, em poucos segundos o elevador chegaria, junto com a contagem do ponteiro. Um, dois, que vença o melhor.
O número do painel parou no andar. Por um instante, o barulho dos segundos extinguiu-se, dando lugar ao apito de aviso, que evidenciava a interrupção do movimento do elevador. Logo, as portas se abririam, mostrando o sorriso malicioso do balofo. Era melhor ter o olhar já acusatório ou assim formá-lo ao ver a cara do vizinho? Tinha de pensar rápido, caso contrário perderia a briga. Acabou por escolher a primeira opção, devido aos intermináveis conselhos dos pais e professores sobre a importância de se preparar para tudo. O olhar já estaria formado com as portas abertas e, antes que o balofo pudesse fazer algo, seria atingido nos olhos, desviando, assim, a cara gorda, o que daria vitória ao garoto.
O olhar estava formado. As portas abriram lentamente, junto com o ponteiro dos segundos. Um, dois, surpresa! Não havia balofo, sorriso ou malícia no interior do elevador. O tempo foi suficiente apenas para desviar rapidamente os olhos, permitindo que o erro não completasse. A briga foi perdida em menos de um segundo do ponteiro. Mas não havia com quem brigar.
Havia apenas uma garota. Seus cabelos eram negros e levemente ondulados. A estatura era baixa, mas não diminuía seu corpo perfeitamente curvado. Seus olhos castanhos negros tentavam esconder a timidez, às vezes olhando para a parede, às vezes baixando as pálpebras.
O garoto esqueceu-se de tudo. Não mais havia atraso, barulho ou balofo. Seu olhar, antes acusador, agora estava apaixonado. Sua inquietação continuava, mas pelo motivo mais encantador que poderia imaginar.

Um comentário:

  1. Um, doi, chega! muito bom o cumesso. ja leu milan kundera? ficou parecido, algumas partes, com o jeitinho dele de escrever, pelo menos, na minha cabecinha. achei bastante autobiográfico. xD

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